Estou em vias de completar um ano vivendo aqui, na
Ilha da Esmeralda, um lugar que eu sequer sabia a localização antes de pensar
em morar.
A Irlanda é um lugar simplesmente incrível, onde
aprendi que existem lugares incrivelmente lindos e que não ficam no Brasil, aprendi
que podemos pensar e nos vestir diferente sem causar estranheza, onde a
culinária é diferente da nossa e nem por isso ela é pior, onde os laços
familiares são diferentes dos nossos e isso não quer dizer que não se amem,
onde a democracia realmente existe, aprendi o que significa ter segurança,
aprendi o que é ganhar um salário mínimo e ainda assim conseguir viver com
qualidade... Aprendi que não existe relação entre ter e poder, aprendi que até
mesmo um gari pode ter um carro de luxo isso não significa que ele tenha
roubado...
Na Irlanda aprendi a maravilha do compartilhamento,
onde as pessoas doam de verdade, coisas de qualidade aos necessitados, onde as
pessoas confiam umas nas outras sem necessidade de garantias, onde os mais
velhos são respeitados e respeitosos... Aprendi o que é pagar o justo por um
produto e não ser explorado por preços abusivos, aprendi a não explorar a
classe trabalhadora e a dar mais valor em algumas pessoas... Na Irlanda aprendo
que é possível ser feliz tendo pouco e vivendo de forma simples, pois o
essencial não se pode comprar...
Vivi muitas situações durante esse período, muitas
dessas que não tive tempo ou disposição para escrever aqui no blog... quem sabe
um dia...
Inicialmente o plano era ficar por seis meses, que
se estenderam para um ano... Estou eu aqui, agora, com menos de um mês faltando
para meu embarque para casa.
O fato é que cada dia que se passa aumenta minha
dúvida se devo ficar no Brasil ou passar mais algum tempo aqui,
desfrutando ao máximo minha aventura, minha experiência, meu grande sonho que
se realizou...
O Texto abaixo foi escrito por Glenda Gimuro, e retrata bem o que sinto neste momento
O Texto abaixo foi escrito por Glenda Gimuro, e retrata bem o que sinto neste momento
***
Depois de duas semanas lendo sobre o porquê dos meus companheiros
do Brasil com Z não quererem mais voltar a
viver no Brasil, decidi escrever meu texto. Em 2009 já havíamos feito uma ronda
sobre “voltar ou não voltar” entre os colaboradores deste blog coletivo de expatriad@s que vivem nos mais diversos cantos do mundo… os tempos eram outros,
o pessoal também, mas quem quiser conferir pode clicar aqui.
Inclusive eu dei minha opinião sobre a volta e decidir escrever
de novo não porque tenha mudado de ideia, mas sim porque ampliei um pouco meu
pensamento.
Não vou enumerar
aqui a quantidade de problemas, principalmente sociais, ambientais e econômicos
que existem no Brasil, uma porque depois dessa série de posts não vale a pena
repetir, outra, porque todo mundo está careca de saber que no nosso país falta
segurança, falta educação e saúde pública, falta tolerância, falta tanta coisa
e sobra outras mais, como desigualdades, exclusões, injustiças.
Não sei quando volto ao Brasil pelo
simples fato de que não sei se quero voltar ao Brasil. Gosto muito da vida que levo atualmente.
A principal lição de vida que aprendi nestes 6 anos de Sevilha é que não é
pobre o que menos tem, mas o que menos necessita. Aqui aprendi que não preciso
de luxos para viver feliz, que com pouco dinheiro no bolso posso me divertir,
ter uma vida cultural relativamente agitada e ainda viajar de vez em quando.
Aprendi que a felicidade não se encontra em shopping e que autoestima não está
diretamente relacionada com chapinha e unhas bem feitas. E não que no Brasil eu
tivesse um padrão de vida alto ou fosse uma patricinha de carteirinha, mas
depois de viver 6 anos em uma casa com móveis alugados, nossa percepção de vida
muda muito.
Futilidades à parte, aqui aprendi que se
trabalha para viver e não se vive para trabalhar. Isso significa realmente
aproveitar a vida. A grande maioria do pessoal aqui do sul trabalha o justo e
necessário para poder garantir um lazer a nível máximo, um happy hour no final
do dia, uma escapada no final de semana e umas férias de verão de um mês. Horas
extras, 60 horas de trabalho semanais, um final de semana em casa atolado de
prazos esgotados? Óbvio que isso acontece, mas não é regra e nem o cotidiano
dos sevillanos. Conheço funcionários públicos que pedem redução de salário para
poder ficar uma hora a mais com os filhos em casa.
Aprendi
a deixar o carro na garagem (leia-se estacionado na rua) e usar o transporte
público. Voltei a aprender a andar de bicicleta. De onde eu moro eu chego a
qualquer parte da cidade em menos de 40 minutos de pedalada (e Sevilla não é
uma cidade pequena, tem quase 800 mil habitantes fora a zona metropolitana).
Não tem preço poder ir e vir respirando ar fresco (ok, nem sempre, afinal,
estamos numa zona urbana) e de quebra fazer exercícios.
Aprendi a ser tolerante, a respeitar
mais as diferenças, a descobrir a diversidade de raças, culturas, estilos de
vida e pensamento muito diferentes dos nossos, brasileiros, muitas vezes
machistas, egoístas e hipócritas (como também já foi citado nos posts dos meus
colegas de Brasil com Z). Aprendi que viver no mesmo edifício que o motorista
do caminhão de lixo e comer no mesmo restaurante da faxineira da piscina é uma
coisa absolutamente normal, pois a tal diferença de “classes” é
estupidamente menor. Aprendi a conviver com famílias com dois pais, duas
mães e até duas mães e um pai, a não falar mal de uma mulher escabelada na
padaria, a não ficar horrorizada com um «modelito» fora do «normal». Aprendi
que o normal pode ser qualquer coisa, que cada pessoa é um mundo e que cada um
de nós cuida do seu próprio mundo pessoal, sem precisar de aparências ou
máscaras. E ao mesmo tempo aprendi que todos devemos cuidar do nosso mundo
coletivo, que a força do ser em conjunto é muito importante e que, melhor de
tudo, dá resultados.
Aprendi que as diferenças nem sempre
geram integração, que podem causar desigualdades por estes lados também. Que
imigrante é uma classe de pessoa que tem que correr atrás do prejuízo, que tem
que lutar muito para conseguir se estabelecer e que, por questões que fogem as
suas capacidades, nem sempre consegue o seu lugar ao sol. Aprendi que o ser
humano, não importa a sua nacionalidade, está longe de ser perfeito, e apesar
de tanta tolerância e igualdade por um lado, pode ser bastante preconceituoso e
injusto por outro.
Então, depois de conviver com tantos
outros valores e realidades, muitas vezes penso que não tenho vontade de voltar
a morar no Brasil. Quem, depois de aprender a cruzar uma rua pela faixa de
segurança sem nem precisar olhar para os lados ou se acostumar a voltar para
casa a pé às 3 da manhã, desfrutando do cheiro das flores de laranjeira e do
silêncio da madrugada sem precisar olhar para trás, pensa um dia em regressar à
sua pátria amada? Quem depois de dar risada (ou se irritar, no meu caso) com as
crianças de uniforme do colégio jogando bola em plena praça central, de se
habituar a pegar a sua bicicleta e fazer um piquenique no parque público ou de
ver uma roda de velhinhos e velhinhas tomando cerveja (sem álcool) felizes e cheirosos
no mesmo bar que a garotada de 20 anos pode cogitar a hipótese de não viver
mais essas coisas, aparentemente tão banais, mas que no Brasil parece que há
muito tempo não existe?
Claro, nem tudo são rosas… Não sou casada com espanhol, não
tenho meu diploma de arquiteta homologado para assinar projetos na Espanha (se
bem que na atual situação econômica, «projetos» é coisa rara por aqui), vivo
com um visto de estudante que não me dá direito à nacionalidade, não tenho
direito à saúde pública (apenas atendimento de emergência) e pelo menos nos
próximos anos não vejo nenhum futuro profissional na minha área (nem eu, nem
20% da população ativa do país, nem a maioria absoluta dos jovens
recém-formados). Não tenho filhos espanhóis e em teoria, nada me prende aqui.
Mais cedo ou mais tarde (cada vez mais é mais cedo, já que estou no segundo ano
do doutorado) vou ter que tomar a fatídica decisão: volto ou não volto ao
Brasil? Qualidade de vida acessível a um bolso pouco cheio ou um bom trabalho
(ou um trabalho qualquer)?)?
Meu consolo é que este mundo é enorme,
como já dizia o poeta, «grande demais para nascer e morrer no mesmo lugar».
Confesso que não sei se tenho o mesmo ânimo para recomeçar tudo de novo em um
país novo, mas quem disse que se eu voltasse ao Brasil eu não teria que
recomeçar do zero? E entre recomeçar com qualidade de vida e recomeçar rodeada
de violência, desigualdades e injustiças, só fico na dúvida porque neste último
caso também estaria rodeada de muito amor, amigos e família (únicos motivos reais
que me fazem pensar em voltar a viver no Brasil).
Enfim, todo mundo deveria ter a
oportunidade de sair da sua bolha, ver o mundo com outros olhos, aprender novos
valores e, quem sabe, voltar e conseguir lutar por um lugar melhor. O Brasil é
um país com duas caras, lindo e horrível ao mesmo tempo. Sei que sou uma
privilegiada por estar onde estou e que muita gente se tivesse condições já
estava com as malas prontas e a passagem comprada para se mandar… e a gente
aqui falando em voltar. Adoraria poder voltar e tentar fazer do meu Brasil um
lugar melhor para se viver, mas ao mesmo tempo me sinto muito ingênua em pensar
que isso poderia ser possível. Ninguém tem a resposta e não sou a única em
duvidar do “desenvolvimento” do Brasil.
Queria viver entre os «meus», mas a cada
dia que passa me sinto menos parte dos que ficaram. Já não penso em altos
salários, altos cargos, muito dinheiro para ser feliz. Embora muita gente siga
pensando ao contrário, dinheiro não é e nem nunca foi garantia de felicidade.
Felicidade para mim é isso, poder levar a vida sem pausa, mas sem pressa, sem
paradeiro se eu assim quiser. Posso não estar com os bolsos cheios, mas percebi
que não necessito nada disso para ter uma vida confortável, alegre e divertida.
Tive que cruzar o oceano para perceber
isso? Sim. Não poderia ter aprendido tudo isso no Brasil? Claro que sim, mas
quem sabe a comparativa não existiria. Enquanto isso, continuo aproveitando
esta grande oportunidade de fazer parte de outro mundo, que apesar de todos os
problemas que existem como em um lugar qualquer, parece que é mais justo e
respeitoso que o mundo onde nasci.
***
Este texto foi escrito pela Glenda Dimuro em Julho de 2011. Incrível
como tanto tempo depois ainda se encaixa perfeitamente no momento que
estou vivendo. Faço dela minhas palavras, com a diferença que minha decisão
ainda não está tomada, e que diferente dela (eu imagino), minha decisão precisa
ser compartilhada com meu amado esposo. Visitem seu blog CoisaParecida,
vale muito a pena.
:/
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